Conversas do Caminho #01

Sob a sombra gentil de uma árvore ancestral, duas figuras repousam sobre a terra firme, partilhando um silêncio preenchido de entendimento. Uma delas, envolta em simples vestes, exibe uma serenidade que parece emanar da própria essência do ser; a outra, com olhos que refletem uma compaixão infinita, traz em seu olhar o abraço de toda a humanidade.

“Na quietude profunda do ser, encontrei um oceano sem margens, onde cada gota de vida se funde e se separa num eterno balé,” disse uma voz, tão leve quanto a brisa que dançava com as folhas ao redor. Continue lendo “Conversas do Caminho #01”

Limo

 

Escorregava na própria água. Tinha poças de desejos acumulados e verdades não ditas. Água. Há tanto tempo parada, não era boa de beber. Por isso não se dava. Entregava somente parte. E assim se dizia satisfeita: impossível se dizer feliz. Havia muito limo dentro, que escorregava pra fora. Esse não conseguia conter, junto à água. Vazava pelas frestas, por onde a natureza da pedra não havia sido forte o suficiente para permanecer intacta. Não se lembrava quando suas mãos tornaram-se pedras, mas tornaram-se, é fato. Pedra que segura água.  A água vazava, o limo vazava. Não por vontade nem nada, apenas era assim depois de um tempo. Por controle, desejava conter os vazamentos e se deparava com as mãos de pedra. Diacho! Essa pedra sempre esteve aqui?

Percebeu que a água tinha vontade, queria. Na superfície lisa formada, percebeu o próprio rosto, se é que assim se podia chamar aquela pedra em formato de gente: era gente mas também pedra. E o que queria a água era refletir sua própria imagem: faltava-lhe coragem de ver, por isso permanecia com a venda apertada aos olhos: faltava-lhe coragem de ver. Percebeu o rosto mas jamais o viu. Sentiu que aquele rosto estava exatamente ali: o espelho cristalino formado na tensão superficial de um líquido precioso e seu. Sentiu que sua imagem refletida era mesmo quem era e decidiu ser. Escutou o barulho interno de uma rachadura e riu, assim, sozinha. Começou a ruir de propósito, cada vez que escutava e cada vez que ria. Seus pedaços caíam sem esforço e sem som, como qualquer coisa quando há pouca gravidade. Um misto de flutuar.

Em tempo, entendeu que aquela matéria de limo servia para fazer brotar, se a depositasse em algum lugar e aguasse. Isso sabia fazer: aguar. Mas dar de si não sabia. Foi tentar. Começou escutando, mesmo já tendo de si para dar. No encontro com o outro, escutou. Escutou e escutou até parecer que compreendia: até entender que não compreendia: até sentir que compreendia: até duvidar se compreendia: até compreender.

Pôs-se a aprender, tentando. E aprendeu.

Isso descobriu sozinha e sem afetação. E seguiu.


 

Imagem criada com a inteligência artificial DALL-E 2 OpenAI.